“ (…) Mas também digo, já de forma reflectida e ponderada, que não é possível esquecer parte desse afecto. Não se apagam as pessoas do pensamento, não se eliminam as memórias do passado. Nós somos no presente aquilo que fomos num pretérito, tenha sido ele perfeito ou imperfeito. Somos uma construção de memórias genéticas, acumuladas, sobrepostas, um efeito de camadas onde as boas vão sobrepondo as menos boas e lhes retiram força e poder. Não sofremos nenhuma amnésia dos afectos, do companheirismo, da felicidade que alguém nos deu. Isso guarda-se, para sempre. Para quê esquecer? Disparate... Acredito sim que seja possível esquecer aquilo que nos fazia sofrer, e mais uma vez "guardar só, o que é bom de guardar..." Acredito porque também já me esqueci de algumas tabuadas, as mais difíceis, mas no geral sei quase todas e ainda bem. Acredito porque não me lembro das letras de algumas músicas que adoro desde sempre, mas continuo a adorá-las tanto como antes. Acredito porque dentro da desordem natural das coisas, o ser humano tem a capacidade de guardar as boas recordações e de enviar as más para um arquivo mental, num cantinho qualquer bem escondido, uma espécie de "closet" daquilo que já não usamos, mas nos recusamos a deitar fora, nem tão pouco a dar a alguém, porque são nossas. Não se dá nem se empresta. Tal como os afectos: dão-se e já não se tiram... são para toda a vida. Se eu quero esquecer? Não, não quero. Vivo muito bem com a consciência de que existiu, de que me fez feliz, até ao dia em que deixou de fazer. E é apenas isso que eu quero lembrar, é isso que realmente lembro, e é isso que me dá a certeza de que está resolvido. Quem diz o contrário, ainda tem um longo caminho a percorrer...”
Margarida Rebelo Pinto
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